Mestre Shinran (1173-1263) escreveu um hino no qual diz que possuem o coração sincero aqueles que desconhecem as palavras “bem” e “mal”. Já eu, conclui Shinran, ajo como quem as conhece. Isso é uma plena falsidade. (Shozomatsu Wassan, 115)
O ser humano possui as palavras como instrumento. Nosso pensamento só funciona distinguindo os fenômenos por meio de palavras, tais como “bem” e “mal”, “prazer” e “dor”, o “Eu” e “outros”. Os conceitos que a linguagem nos fecunda, proliferam sorrateiramentenos manipulam e nos obscurecem a visão em relação à realidade. O Buda chamou esse processo cognitivo de prapanca, traduzido como “proliferação conceitual”. Segundo o prof. Hideaki Nakatani, esse termo foi supostamente criado pelo próprio Buda Shakyamuni.
Em um Sutra, o Buda expõe a alegoria de duas flechas: uma pessoa é atingida por uma flecha no corpo e sente a dor física. Depois ela sente rancor na mente, ao imaginar, com desejo de vingança, aquele que lhe atirou a flecha. Assim ela é golpeada por uma outra flecha. Essa pessoa, segundo o mestre, está apegada aos sofrimentos. Como se sabe, nossos sofrimentos surgem no abismo entre a realidade e os desejos. A prapanca aprofunda infinitamente esse abismo.
Quando a velhice, a doença ou a morte nos atingem como uma flecha, tendemos a sentir, por trás desses fenômenos, várias outras flechas. E assim ficamos tristes, perturbados e angustiados, preocupando-nos com um futuro, amarrando-nos a um passado que existem apenas como conceito. O Buda instruiu seus discípulos a não ser tocados pela segunda flecha, visando o estado livre dos sofrimentos derivados da proliferação conceitual.
Tendo compreendido nossas percepções e atravessado a enchente,
O sábio não se prende aos objetos do mundo.
Tendo puxado a flecha da paixão e seguindo diligentemente,
Ele não anseia nem por este mundo nem pelo próximo.
(Sutta dos Oito Versos do Suttanipata, Antologia Budista, p. 54)