FRASE DO MÊS

Outubro

A tristeza não pode ser ensinada por outros.

Seiji Ozawa

Quando o budismo se transmitiu da Índia à China, os monges tradutores identificaram o termo compaixão com o ideograma ‘悲’, cujo sentido é tristeza.

De fato, como observa o maestro Seiji Ozawa, a tristeza não é ensinada por outros. Só somos capazes de lamentar a tristeza alheia através de nossas próprias experiências acompanhadas de dor. A isso podemos dar o nome de compaixão.

Num dia da primavera de 1999, Seiko mostrou uma foto para seu filho que havia acabado de chegar à casa.

– Só um instante, sente-se aqui à mesa, disse ela ao filho.

Na foto, uma jovem estava sentada em uma cadeira de rodas. Era evidente que a moça tinha alguma deficiência física grave. Ela vestia um kimono luxuoso (furisode).

– É minha primeira filha. Também é sua irmã mais velha. Você ingressou no ensino médio este ano, é o momento para te contar sobre ela.

A fala de Seiko estava claramente emocionada.

Seiko nasceu numa família de comerciantes em Kagoshima, na época em que o desenvolvimento econômico do país ficou conhecido como “o milagre do Japão”, demarcando o fim do pós-guerra. Devido a um incidente, ocorrido na empresa do pai, a família teve que se mudar para Hiroshima, onde sua mãe lhe revelou que não havia mais condição de criá-la. Ela completara 16 anos de idade. Conseguiu uma vaga de atendente numa lanchonete norte-americana, recém-inaugurada na cidade. Também ingressou num curso técnico de enfermagem com o qual ela sonhava desde sempre. A cada mês, porém, depois de pagar a mensalidade, passava necessidades.

– Fui abandonada, esse sentimento a acompanhava nesse período.

Logo após ter se formado, ela conheceu um homem mais velho e estabelecido, com quem se casou e teve sua primeira filha. Quando o casal soube que a filha teria que viver para sempre com uma grave deficiência, seu marido lhe sugeriu que partisse para uma nova vida, enquanto ele assumiria a titularidade da criança. Ela se arrependeria desta decisão pelo resto da vida.

Passaram-se 20 anos. Quando sua filha atingiu a maioridade, Seiko lhe enviou o kimono de presente. Por algum motivo os pais resolveram evitar o reencontro. A filha vestiu o kimono e foi fotografada ao ar livre naquela primavera.

Ao ouvir a história, o filho percebeu um enlevo disfarçado pela mãe. Era o efeito do álcool de que ela tanto precisava para mascarar algo que fora mortificado por décadas em seu coração. Naquela noite, viu a mãe ligar para a vovó. Não haveria outra pessoa que pudesse entender sua tristeza.

Rev. Keizo Doi
Monge Regente do Templo Shin Budista de Brasília