A Índia é desde sempre uma civilização urbana. A cidade era cercada de muros que dividiam o espaço artificial e a natureza. Dentro da cidade, a vida cotidiana era traçada conforme a intenção humana. Gautama Siddharta vivia apenas dentro do palácio como príncipe do clã Shakya.
Um dia, o príncipe saiu para um passeio. Ao sair pelo portão leste do muro, ele viu pela primeira vez um velho caminhando com bengala. Perguntou para seu subordinado: a velhice aconteceria também comigo? O subordinado respondeu que sim. Meses depois, ele saiu pelo portão sul e viu um doente. Soube que a doença aconteceria necessariamente com ele. Meses depois, ele saiu pelo portão oeste e viu um cortejo fúnebre. Soube que um dia morreria sem falta.
Gautama Sidharta ficou abatido pelo fato de que vivia ignorando a realidade. A vida que o regozijava até aquele momento, de súbito, se tornou uma angústia: minha vida tem algum sentido, se necessariamente há de morrer?
Outro dia, ele saiu pelo portão norte e viu um praticante renunciante caminhado com uma tigela na mão. Encantado com a sua postura, o príncipe resolveu deixar o palácio em busca do caminho. Posteriormente se tornou Buda. O termo buda significa o desperto em português.
Uma das essências da realidade para a qual ele despertou foi a interdependência. Todos os seres vivos dependem uns dos outros. Por exemplo: cada um de nós tem seus 2 pais, 4 avôs, 8 bisavós, 16 trisavôs, 32 tataravôs. Nas 10 gerações, há 1024 antepassados. Se não tivesse nascido uma dessas pessoas, minha vida não estaria por aqui. Será que essa vida pertence tão simplesmente a mim?
Acredito que a pandemia também evidenciou nossa interdependência. Como sabemos, uma gotícula de saliva de uma pessoa que vivia do outro lado do mundo nos influenciou definitivamente. De fato, não havia divisão entre a vida individual e a vida coletiva. Onde se encontra então unicamente “minha vida”?
Nessa perspectiva, perguntar se minha vida tem algum sentido, é infundado. Quando mudamos nossa visão sobre a vida ao inverter seu sentido, o entendimento da velhice e doença também deve mudar da mesma forma. Esses fenômenos não são fracassos, mas são os momentos que revelam o valor real da vida que porventura vivenciamos. Dentro desse contexto, o sentido da morte também se inverte. Afinal o Buda chamou o último momento da nossa existência de Nascimento na Terra da Bem-Aventurança.