FRASE DO MÊS

JuLho

"Cerejeiras em flor no mundo inteiro, também para elas, recito o Nembutsu."

(Yonisakaru Hananimo Nembutsu Moushikeri) Matsuo Basho (1644-1694)

O termo Nembutsu é uma junção de duas partes, nem e butsu. A etimologia do termo nem é smrti em sânscrito que significa pensar, lembrar, perceber. O termo butsu representa o Buda Amida.

Diante das cerejeiras em flor, o poeta lembrou o Buda que expôs a lei da impermanência. Quanto mais belas as cerejeiras desabrocham, mais contrastado fica aquele breve momento em que todas as suas pétalas caem. Tudo o que existe não é permanente. Nem esta minha pessoa é permanente. Muito pelo contrário, esse Eu nunca existiu substancialmente. O Eu é apenas uma composição de elementos físicos e mentais que um dia necessariamente se decompõem assim como as flores da cerejeira.

Suponho que, quando o Basho exprimiu essa reflexão em seu haikai, devem ter brotado nele as cerejeiras do Saigyo (1118-1190) que admirava. Em sua antologia poética Sankasyu, por exemplo, que foi compilada nos seus últimos anos, há o seguinte verso:

Ao ver distintamente, esta idosa cerejeira abriu elegantemente suas flores. Mais quantas vezes ela encontrará a primavera ?
(Wakitemin Oikiwa Hanamo Awarenari Ima Ikutabi Haruni Aubeki)

Traduzi provisoriamente o termo japonês aware como elegantemente. Pois ele é intraduzível. Sobre o sentido desse termo, Claude Lévi-Strausse reflete comparando-o à palavra saudade no prólogo do Saudades de São Paulo.

A palavra saudade seria intraduzível, dizem os brasileiros; e os japoneses dizem o mesmo de uma palavra de sua língua, aware. É curioso que essas palavras tenham algo em comum: seríamos tentados a dar a ambas um sentido próximo de nostalgia. No entanto, nos enganaríamos, já que nostalgia existe em português e o japonês forjou um sinônimo tirado do inglês homesick. Os sentidos não são portanto os mesmos.
De acordo com a etimologia, nostalgia refere-se ao passado ou ao longínquo, ao passo que, parece-me, saudade e aware traduzem uma experiência atual. Seja pela percepção ou pela rememoração, seres, coisas, lugares são o objeto de uma tomada de consciência impregnada do sentimento agudo de sua fugacidade.
Saudades de São Paulo, de Claude Lévi-Strauss(1996)

Se pudermos aceitar essa reflexão, será possível encontrar um sentimento tão profundo que é intraduzível, por trás desses 130 anos de amizade Brasil-Japão.