Após ter atingido a iluminação, o Buda expôs, pela primeira vez, seus ensinamentos a cinco praticantes. Entre as lições estavam, as Quatro Nobres Verdades.
A Primeira Nobre Verdade ensina que os sofrimentos, inerentes a todos os seres, tornam-se significativos nas seguintes condições: nascimento, velhice, doença e morte. Esses eventos ocorrem necessariamente a todos nós, sem seguir nossas vontades e intenções. E isso nos deixa tristes, angustiados e perturbados.
Se meu nascimento tivesse acontecido em outra família, minha vida talvez seria mais feliz. Se eu fosse um pouco mais novo do que agora, meus dias seriam mais divertidos. Se eu não tivesse adoecido, poderia realizar mais projetos. Se a minha morte ocorrer da forma como imagino, todos os meus sacrifícios serão recompensados.
Tais aparências enganosas não são a causa fundamental do sofrimento. O que nos faz sofrer, Buda apontou, é o referencial ilusório de nossos julgamentos: o Eu. Tomamos como verdade o que é apenas uma construção mental. É impossível comparar objetivamente minha pessoa de dez anos atrás com a atual. Nada sustenta essa comparação, exceto meu autoengano. Não há um “Eu” substancial.
Tal pessoa, que existe apenas na mente ilusória, rejeita tudo que é incompatível com seus projetos, desconhecendo, afinal, sua própria existência real. Portanto, quando falamos de INCLUSÃO, devemos começar por esta evidência: a inclusão deve ser aprendida e praticada primeiramente dentro de cada pessoa. Se nossa aprendizagem for verdadeira, essa prática será aplicada externamente.
Assim esse tema orienta nossas ações em 2024.
Rev. Keizo Doi
Monge Regente do Templo Shin Budista de Brasília
Ao definir “Inclusão” como tema para o ano de 2024, o templo direcionou suas ações e reflexões para o conhecimento, visibilidade e acolhimento das pessoas autistas na nossa sociedade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças em todo o mundo tem algum Transtorno do Espectro Autista (TEA). Esta condição afeta, em diferentes graus, a maneira como as pessoas veem, ouvem, sentem e interagem com o mundo. Algumas são bastante sociáveis, outras mais tímidas e retraídas. Os desafios são semelhantes, mas a maneira como as pessoas são afetadas pode ser bem diferente. Para ampliar o nosso conhecimento sobre este assunto, o templo está realizando, ao longo do ano, uma série de atividades, a exemplo de palestras e oficinas. Partimos do princípio de que a inclusão não se limita à aceitação passiva da diversidade; envolve ações e esforços deliberados para eliminar barreiras, preconceitos e discriminações que possam marginalizar pessoas ou grupos de pessoas. Um exercício que, como bem sinalizou o Monge Regente, começa dentro de cada um de nós. Somos gratos a todos que têm colaborado com esta iniciativa, em especial a Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (@autistasbrasil).
Workshop realizado pela terapeuta Kamylla Novais
Dentro da série de atividades sobre inclusão de pessoas autistas desenvolvidas neste ano, o Templo Budista da Terra Pura de Brasília realizou, no dia 8 de junho, o workshop “Criando Espaço Sensorial para Pessoas Autistas”, com a terapeuta Kamylla Novais, e contou com a presença de X participantes e membros da Sangha.
Kamylla Novais é terapeuta ocupacional formada pela primeira turma de terapia ocupacional da UnB, em 2012. Trabalha com crianças atípicas, dentre elas crianças com autismo. Tem formação no método Bobath e também a certificação internacional em integração sensorial, para trabalhar com as demandas da disfunção de integração sensorial. “Essa terapia faz com que o cérebro organize as informações sensoriais que são recebidas pelos sentidos e de uma resposta adaptativa adequada para a organização e execução das atividades”, esclarece a especialista.
Ela explica que a integração sensorial foi criada pela terapeuta ocupacional Jean Ayres, que compreendeu que os estímulos sensoriais influenciavam na resposta das pessoas. “O tratamento é realizado exclusivamente por terapeutas ocupacionais, contudo, as salas sensoriais ou os espaços de acomodação sensorial não são salas de terapia”, esclarece.
Segundo Kamylla, esses espaços são especializados para a organização momentânea em ambientes que podem ter estímulos em excesso que trazem desorganização para pessoas que têm dificuldade no processamento sensorial.
Reorganizando os sentidos
O espaço sensorial é composto de equipamentos e recursos que trazem organização para os sentidos (visuais, auditivos,táteis, olfativos, proprioceptivos e vestibular). Esse espaço favorece tanto pessoas típicas quanto atípicas.
“É um espaço que é para ser usado por todos, para que possam se regular. Quem nunca precisou entrar debaixo do cobertor para se aninhar num momento de estresse? Quem nunca quis gritar e correr em momentos difíceis? Esse espaço é para ser usado, justamente, para essa auto regulação”, pontua a terapeuta.
“O mundo é um espaço com muitas informações sensoriais, que podem sobrecarregar os nossos sistemas, como se fosse um engarrafamento de sensações, onde o cérebro não sabe o
que fazer com elas. Necessitando, assim, de um momento para se auto regular”, acrescenta Kamylla.
A especialista alerta para os sinais de que você deve buscar ajuda: “Quando perceber que as sensações estão atrapalhando a funcionalidade da pessoa, seja para as tarefas do dia dia, para a participação social ou para a aprendizagem, o terapeuta ocupacional é o profissional capacitado para avaliar e tratar a disfunção de processamento sensorial.”
Ministrada pela Perofessora Sirlei Oliveira, integrante do Branch Ikebana Sogetsu, Brasília.
Dentro da série de atividades sobre inclusão de pessoas autistas desenvolvidas neste ano, o Templo Budista da Terra Pura de Brasília realizou, no dia 11 de maio, uma oficina de Ikebana especialmente dedicada a essa população, com a presença de 12 participantes, além de professores e membros da Sangha.
A Ikebana é a arte floral japonesa que busca criar composições harmoniosas, celebrando a beleza única das flores e estimulando a criatividade. A oficina foi ministrada pela professora Sirlei Oliveira, da escola Sogetsu, com o objetivo de “oferecer uma oportunidade de expressão artística e bem-estar para todos os participantes”, conforme ela definiu.
Na abertura do evento, o mestre em Educação Pedro Lucas Costa, integrante da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas, falou sobre a situação social das pessoas com esta condição. “O autismo é uma diferença, e ser diferente é ser humano. Só que o mundo foi criado para funcionar sob um padrão rígido, e qualquer diferença para esse padrão, historicamente, é vista como errada ou como doença, e as estratégias da sociedade para essas pessoas são controlar ou excluir”, declarou.
Pedro Lucas é autista e disse que o principal objetivo das atividades que buscam a inclusão é fazer com que as pessoas recusem “toda forma de normalização”, entendam as diferenças e valorizem “a narrativa que as pessoas trazem sobre as barreiras que elas enfrentam”.
Palestra ministrada pelo Dr. Lucas Toledo, médico psiquiatra, especializado em saúde mental infantil e adolescente.
Quais as etapas e testes envolvidos no diagnóstico do autismo? Existe idade certa para isso? Como pais participam desse processo? Essas e outras questões foram abordadas durante palestra realizada, no templo, pelo Dr. Lucas Toledo, médico psiquiatra da infância e da adolescência, dia 17 de abril, no nosso segundo encontro dedicado ao tema.
Os primeiros relatos sobre autismo surgiram em 1908 e à época era confundido com esquizofrenia. Hoje os sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem ser percebidos logo nos primeiros anos de vida, e são caracterizados por um atraso no desenvolvimento, culminando com dificuldades na comunicação e na interação social e pela presença de padrões de comportamentos e interesses restritos e repetitivos.
Segundo o psiquiatra, o autismo é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, uma alteração na estrutura e no desenvolvimento cerebral. Atualmente, alguns fatores de risco para o autismo têm crescido, como: aumento de gestações com idade avançada dos pais, nascimento prematuro, complicações gestacionais e exposição do feto a algumas medicações.
Três pontos fundamentam o Transtorno do Espectro Autista.
O cérebro humano tem um aparato capaz de intuir o que o outro está pensando e sentindo, e através dessa intuição modulamos nossos comportamentos. No autista, isso não ocorre, gerando nele sofrimento.
Estamos o tempo todo expostos a diversos estímulos, tais como a voz de alguém, a entonação, os ruídos em volta; e o cérebro faz um resumo de todas essas informações. O autista tem a tendência de se fixar em uma só informação, ignorando as outras.
Todo o comportamento que o ser humano precisa adotar para alcançar um objetivo: como se planejar, como controlar a impulsividade, como organizar o planejamento temporal, como inibir certas emoções, pensamentos e comportamentos. Quando estas habilidades estão impactadas, aparecem as dificuldades no processo de socialização, fazendo com que o indivíduo experimente mais situações estressantes e punitivas que outros da mesma idade.
O diagnóstico é clínico, realizado através do relato histórico e da observação, sendo importante colher informações com múltiplas fontes. Dr. Lucas chama atenção para o fato de que “não existem comportamentos autistas, e, sim, comportamentos humanos”.
Todos nós tendemos a adotar certas atitudes em determinadas circunstâncias. No autista, esses comportamentos tendem a ser mais evidentes. Pela dificuldade em se planejar, em intuir o que o outro pensa, por exemplo, autistas preferem uma rotina mais organizada que lhes dê maior senso de previsibilidade, sensações de maior conforto e segurança.
Outro comportamento comum é o uso do próprio corpo para a autorregulação: movimentos repetitivos como balançar as mãos ou o tronco. Como o indivíduo com autismo vive num ambiente opressivo, esses comportamentos tendem a ser mais evidentes do que nas demais pessoas.
Em resumo, ressalta o palestrante, o cerne do diagnóstico está na manifestação de marcante dificuldade e sofrimento em múltiplas áreas do funcionamento (exemplo: pessoal, familiar, social, acadêmico) secundárias a défices em reciprocidade socioemocional, padrões marcadamente repetitivos e restritos de interesses e comportamentos. A depender do espectro, da gravidade, os indivíduos aprendem a lidar com essas dificuldades, variando o grau e a necessidade de suporte – família, sociedade, escola.
O tratamento vai depender do nível do transtorno, da gravidade. Como se trata de uma alteração estrutural do funcionamento cerebral, o mais importante sobre o tratamento é reconhecer que não há como mudar a pessoa, devendo antes de tudo respeitá-las e trata-las com dignidade. Porém se ela tem comportamentos graves que lhe causam sofrimento físico, muita dificuldade para controle emocional, por exemplo, há medicamentos para reduzir esse sofrimento. O que piora muito a evolução do autista é a coexistência de outros transtornos mentais, como transtorno do estresse pós-traumático, por consequência de estar num ambiente não inclusivo. O principal tratamento é, de forma geral, inclusão e respeito para evitar o desenvolvimento de comorbidades.
Ministrada por Hiromi Takano, Artista e Psicóloga, especializada em Arteterapia
A psicóloga Hiromi Takano destaca que o Sumi-ê é arte meditativa, útil para aprimorar as habilidades manuais e a coordenação entre mente e corpo. “O Sumi-ê é uma técnica muito antiga, do século XIII. Ela foi praticada por samurais e desenvolvida nos templos do Zen Budismo”, conta. Como uma forma de escuta e meditação, esta arte está intimamente relacionada ao conceito budista de interdependência entre os seres e, portanto, ao tema da Inclusão. Para a psicóloga e professora de Sumi-ê, “inclusão não é apenas receber pessoas consideradas neurodivergentes, mas, principalmente, nos incluirmos, nós mesmos, por meio do conhecimento: precisamos conhecer para podermos acolher”.
Palestra ministrada por Pedro Lucas Costa, orientador educacional e psicopedagogo
Neste primeiro encontro temático, o professor Pedro Lucas Costa, membro da Associação Brasileira para Inclusão das Pessoas Autistas, trouxe informações e esclareceu dúvidas importantes para eliminar preconceitos relacionados à pessoa autista, em particular ao jovem. Pedro Lucas, ele mesmo autista, ressalta a “importância das pessoas entenderem e saberem lidar melhor conosco, tendo uma visão que não nos coloque como incapazes, mas, sim, como pessoas capazes de qualquer coisa”.
Para Pedro Lucas, um dos maiores equívocos que as pessoas tendem a cometer é tentar corrigir o comportamento do indivíduo autista, como se sua maneira de vivenciar o mundo fosse intrinsicamente errada. “O principal mal-entendido é achar que o autismo é um transtorno de comportamento, e que as características da pessoa autista têm que ser corrigidas. Isso é um grande erro, que não faz bem nem para personalidade nem para saúde mental da pessoa autista”, afirma. Não se deve tentar transformar alguém naquilo que não é: a pessoa autista necessita, acima de tudo, de acessibilidade e de acolhimento, e todos se beneficiam quando a comunidade se une nesse sentido.
Em complemento à palestra, o Monge Keizo Doi nos propõe a seguinte reflexão:
No Budismo há três princípios: Impermanência, Não-Eu e Nirvana, ou seja, a Suprema Tranquilidade. Tudo o que surge sofre mudanças e por fim se extingue. Nada escapa à lei da impermanência. O Eu, nada mais é que a sucessão de mudanças dos elementos físicos e mentais. Neste sentido, não existe um Eu permanente, independente e soberano.
Quando caímos na ilusão do Eu, vivemos aflições constantes: eu devo ser visto dessa forma, mas não daquela. Com essas agonias, não podemos visar a Suprema Tranquilidade.
O caminho do Nirvana não é natural. Temos que relativizar constantemente nossas tendências. Essa prática, para mim, concerne ao desafio da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas, que quer desmistificar o “ser normal”.